
HUMANAS
A EVOLUÇÃO DAS SOCIEDADES HUMANAS Allen W. Johnson e Timothy Earle1 Uma História da Evolução Cultural A idéia de um padrão para a evolução cultural foi bastante divulgada pelos teóricos sociais do final do século 19, especialmente Morgan (1877), Tylor (1871), Spencer e Maine (1870). Todos eles correlacionavam evolução com progresso, de piores condições sociais para melhores; acreditavam que as novas tecnologias e novas idéias que surgiam, progressivamente libertavam o Homem de sua condição animal. Morgan – com seus estágios sucessivos de Selvageria, Barbárie e Civilização – entendia que os desejos biológicos primários de fome e sexo teriam sido superados pelos avanços culturais. Maine viu a emergência das leis como a libertação do indivíduo da tirania da família. No entanto, não seria correto ver os evolucionistas do século 19 de uma forma tão simplificada. Engels (1884) percebeu como a ambição individual poderia resultar em um fenômeno tão dramático como a escravidão; Spencer percebeu como o desenvolvimento cultural baseado na competição e na guerra resultou muito mais em opressão do que em libertação e Malthus (1798) já havia percebido que o crescimento populacional não levaria ao progresso mas à miséria e à morte. No início do século 20, reagindo especialmente às idéias etnocêntricas de progresso, Franz Boas (1920) e seus colaboradores Lowie, Kroeber e Benedict rejeitaram a evolução cultural. Para eles, cada cultura era única e deveria ser compreendida em sua especificidade; se ela muda, muda de maneira única a ela própria e nenhuma generalização entre culturas poderia ser feita. Essa abordagem, no entanto, foi desacreditada pela grande quantidade de evidências arqueológicas e etnográficas corroborando uma evolução cultural. A “evolução unilinear” de Leslie White (1959) resgatou a fé evolucionista do século 19 no progresso como um crescimento cumulativo do domínio do Homem sobre a natureza, no sentido de que aquele passava cada vez mais a aumentar seu controle sobre fontes de energia (luz solar, carvão, petróleo, átomos), a fim de satisfazer seus objetivos. Mas a teoria proposta por White era demasiada abstrata. Não havia meios de confirmação empírica. Foi um antropólogo mais empírico, Julian Steward (1955), que questionou a idéia de uma evolução simples, unilinear. Ele percebeu a evolução cultural como se desenvolvendo ao longo de várias linhas distintas, dependendo dos contextos ecológicos e históricos locais, um padrão ao qual chamou de “evolução multilinear”. A abordagem de Steward serviu de estímulo para que as pesquisas etnográficas e arqueológicas passassem a ter uma orientação ecológica, a partir dos anos 60 e 70. Etnógrafos como Rappaport (1967) e Netting (1968, 1977) procuraram entender como certos aspectos específicos da cultura (práticas de subsistência, organização social, ciclos de rituais) 1 The Evolution of Human Societies. From Foraging Group to Agrarian State. Stanford, Stanford University Press, 1987. Tradução de Jairo Henrique Rogge. Embora existam conflitos dentro do grupo e com outros grupos, a agressão organizada (guerra) não é tão comum. A religião e os rituais são pouco elaborados. Em geral, o acampamento possui uma área de exploração, mas a territorialidade não é um procedimento comum e o acesso à área não é restrito ou exclusivo. A aldeia é uma forma de assentamento mais característica em grupos de maior densidade populacional (entre 0,025 até 0,5 pessoas por km2 ), onde grupos familiares se reúnem em uma base mais permanente. A economia de subsistência ainda é baseada, em grande parte, na caça e na coleta, mas em alguns casos pode estar integrada às primeiras experiências com domesticação de plantas e animais. A estocagem de alimentos é uma técnica comum. A captação de recursos é, geralmente, organizada de forma a acompanhar a sazonalidade do meio, com a aldeia em certos momentos se fragmentando em unidades menores e, em outros, voltando a assumir importância como centro. A aldeia não forma uma estrutura política clara e a liderança ainda é um elemento que depende do contexto e especificidade da situação. Os rituais religiosos ainda são pouco elaborados, a guerra não é comum e a territorialidade é quase inexistente. O Grupo Local. Grupos congregando muitas unidades familiares, cerca de 5 a dez vezes maior que o grupo familiar, integradas por algum tipo de interesse comum, como por exemplo a necessidade de defesa ou a estocagem de alimentos. Geralmente estão divididos, por parentesco, em linhagens ou clãs. A estrutura política dos grupos locais pode variar entre comunidades aldeãs acéfalas (sem liderança e controle) e comunidades lideradas por um personagem central, que assume uma liderança explícita, conhecido como Big Man. Nas comunidades acéfalas, a economia se centra em plantas e animais domesticados. O tipo mais comum de assentamento é a aldeia, com cerca de 100 a 200 pessoas, divididas em clãs ou linhagens (25 a 35 pessoas). Formam um grupo politicamente integrado através, principalmente, da religião e dos seus rituais. As cerimônias religio sas e rituais são o elemento mais importante para definir as relações entre os clãs e entre grupos locais. Nas comunidades lideradas pelo Big Man é caracterizada por sociedades aldeãs formadas por múltiplos clãs e baseada essencialmente em produtos domésticos. O Big Man é um líder de grande carisma e é essencial para a manutenção da coesão interna do grupo e fundamental como negociador de alianças com outros grupos. Ele é o representante do grupo nos aspectos religiosos e cerimoniais. Seu poder, contudo, depende de sua própria iniciativa pessoal, de seu carisma; uma vez que o grupo se volta a outro líder rival, seu poder e prestígio desaparecem. A Política Regional. As organizações regionais surgem a partir da fragmentação de grupos locais. Dependendo do grau de integração econômica e política, poderão se formar chefaturas ou estados. As chefaturas se desenvolvem em sociedades onde os conflitos parecem ser endêmicos e evoluem para a necessidade de conquista e incorporação de novos territórios. As estratégias econômicas associadas às chefaturas, tais como sistemas de irrigação e comércio de larga escala, fornecem as oportunidades para que uma elite invista no crescimento e no controle dessas atividades, o que fará gerar excedentes que por sua vez sustentarão e financiarão os objetivos dessa elite. A medida em que a integração regional cresce, cargos de liderança surgem em nível local e regional, sendo ocupados por membros dessa elite, através da ratificação da linhagem hereditária
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